O subtítulo O Prometeu Moderno surge pelo personagem que protagoniza e narra a maior parte da trama: Victor Frankenstein, aquele que, com seus conhecimentos científicos aprimorados, resolve dar vida à sua própria criatura.
Prometeu, uma figura da mitologia grega, tornou-se heroico por roubar o fogo dos deuses e entregá-lo aos humanos. Assim como na narrativa, Victor Frankenstein almeja "roubar" o dom da criação divina de Deus. Portanto, sendo Victor um ser humano deturpado pelos preconceitos de sua época, de uma "benevolência" romântica frágil e de um moralismo afetado, ele abandona a criatura à própria sorte — aquela a quem ele mesmo concedera vida, coração e sentimentos humanos.
A partir de então, a criatura perambula só pela natureza, sem entender seu próprio abandono — mas ainda sem sentir raiva. Como uma criança que acabara de ser concebida, a criatura não sabe ao certo sobre as árvores, os pássaros, o sol e a lua, mas tais elementos enchem seu coração de brandura e seus olhos de lágrimas. A natureza torna-se, então, seu único contato com uma mundo imparcial, que não a julgará por sua aparência fora do comum e que, portanto, está ali indiferente, nada automatizada a um ser humano e suas comodidades. É nesse cenário que a criatura começa a se desenvolver, aprendendo a pôr em prática os instintos básicos de sobrevivência.
Mas então, ao decidir desbravar o mundo, a criatura toma um susto terrível ao confrontar a sociedade: já estruturada sob mentes alienadas, preconceituosas e que jamais a aceitariam, embora a mesma não mais tenha a oferecer do que um coração cheio de bondade e, a princípio, excelentes sentimentos pela raça humana.
A criatura – diferente do ser ignorante que é retratado nos filmes – nutre uma delicada curiosidade pela natureza, a ciência, a arte e a cultura, a política e a história dos grandes impérios, tudo através dos livros que pegara emprestados de seu esconderijo, de onde, através das brechas, contemplava a vida pacífica de uma família humana. Portanto, aquela sociedade sempre daria um jeito de mostrar-lhe, antes de mesmo conhecê-la, que jamais seria bem-vinda. Tal injustiça pesa em seu peito, amarga seus sentimentos e a faz partir em uma empreitada mortal contra seu criador — aquele que primeiro a rejeitou e que, por consequência, tinha a responsabilidade de amá-la.
Ao longo da narrativa, percebemos uma desconstrução dos estereótipos criados pelo cinema sobre “o monstro Frankenstein”. Frankenstein, na verdade, trata-se do próprio Victor Frankenstein, e não de seu construto, uma vez que este último não chega a ser nomeado em momento algum da narrativa.
No romance, também não há descrições explícitas do processo de criação — que para a época seria considerado como mórbido. Portanto, toda a questão da eletricidade não aparece no texto original. Uma dúvida que me ocorreu foi se, por acaso, a implementação da eletricidade como processo na criação não fora algo decorrente do uso prático da energia elétrica (estamos falando do séc. XIX).
O terror nessa história é um elemento subjetivo, presente na atmosfera e no conflito psicológico que é estabelecido através do horror de Victor diante da vingança de sua própria criatura. Para mim, porém, Frankenstein é uma história que fala principalmente sobre o exílio. Alguém cuja existência fora, a princípio, negada em todas as instâncias da humanidade.
A autora, Mary Shelley, mostra em sua escrita delicada e primorosa o ponto de vista desse rejeitado. A autora não mede esforços em ostentar um conhecimento vasto sobre arte, cultura e política (com pensamento crítico, uma vez que, através da voz do monstro, ela critica a crueldade no processo de colonização das Américas e o destino trágico dos povos originários). Mary Shelley comove ao nos fazer entender exatamente os sentimentos melancólicos da criatura, de uma forma inédita e muitíssimo bem escrita.
Embora grande parte da trama seja narrada por Victor, deveria chamar-se O Adão Moderno, já em um viés cristão. Comparando a criatura a Adão, que fora criado não por um ser onipotente e perfeito, mas por um ser humano cujas motivações são limitadas dentro do próprio ego, o qual não pode ser imparcial com a "blasfêmia" que cometera e condenara seu Adão a viver só — mas não no Éden, e sim no próprio inferno. Ação essa que não foge de suas consequências: como um Anjo Caído, a criatura reivindica sua própria vingança, e uma empreitada de vingança, amor e ódio é travada contra seu próprio criador.

Já fazem tantos anos que Frankenstein está na minha lista de leitura, mas até hoje não tive coragem de pegar pra ler. Espero que tenha curtido essa experiência de leitura.
ResponderExcluirBeijos,
Brenshelf
Pois dê uma chance pra Frankenstein, é daquele tipo de clássico que todo mundo conhece mas pouca gente leu, e quem leu amou.
ExcluirOi Ayla! Eu amei a sua resenha! Frankenstein está na minha lista de "futuras leituras" a tantos anos, mas nunca senti que era o momento de ler, inclusive coloquei ele no meu desafio de trinta livros antes dos trinta para ver se lembro kkkk. Fato é que sua resenha me deixou muito mais interessada em fazer essa leitura. Inclusive não se cobre com relação ao rolê de blog literário e uma frequência de resenhas, eu meio que tava nessa pira, mas sai ao perceber que a beleza do blog é justamente fazer tudo num tempo mais lento. O que faz o Pétalas de agosto de ser literário é você ser leitora, e leitora não é tudo que você é, são muitas pétalas nessa flor <3
ResponderExcluirGarota do 330
Muito obrigada pelo carinho e por sempre estar por aqui meu bem <3 Acho que algumas coisas são inevitáveis de não nos cobrarmos, mas ai quando eu vejo que, mesmo não postando tanto, ainda tem uma ou outra pessoa aqui, fico feliz :)
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